A questão racial em concurso público e as cotas raciais

heteroidentificação do pardo

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Embora a questão racial em concurso público seja protegida por lei e estes candidatos tenham direito em decorrência de sua raça, os editais e bancas examinadoras buscam meios de burlar esse importante direito.

Existem outros direitos de candidatos excedentes e aprovados em concurso público que são igualmente tratados para esclarecer quando o concurseiro teria direito a efetivar a sua nomeação

A questão racial em concurso no Maranhão


Os candidatos de concurso com reserva de vagas destinadas as cotas raciais deveriam ser avaliados apenas por elementos visuais (fenótipos), na entrevista social (aferição de veracidade da autodeclaração/heteroidentificação), etapa do concurso que tem como objetivo identificar os elementos físicos do candidato, para constatar ou não se ele possuí as características de raça declaradas no momento de sua inscrição no certame.


No entanto, a etapa de análise de veracidade da autodeclaração referente à condição de negro/pardo dos candidatos do concurso no Maranhão, acaba incluindo critério equivocado de aferição de raça/cor do candidato, isto é, uma entrevista social com fundamento em rol de perguntas subjetivas e genéricas.


Assinala-se as perguntas abstratas e sem nenhum critério técnico adequado para auferir o fenótipo do candidato (características externas constatadas de modo visual), destacamos:


Por que o candidato optou pela cota para pardo/negro, se ele já sofreu preconceito pela raça, o que era ser negro no Brasil e se ele sabia que a cor parda faz parte da raça negra ” (entre outras questões de ordem exclusivamente social e sem relação com fenótipo).


Ocorre que, na ocasião do procedimento de heteroidentificação (avaliação de raça) pela comissão, além da avaliação visual, os candidatos são submetidos a uma entrevista, nos moldes relatados acima.

Tais questionamentos feitos pela comissão não colaboraram para a confirmação da autodeclaração, uma vez que as perguntas se referem apenas a uma situação vivenciada ou não pelo concorrente do certame.

Ora, se a lei estabelece apenas o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato, resta evidente que o uso de perguntas de cunho social/cultural pela comissão de heteroidentificação configura um ato abusivo e sem fundamento legal. 


 As mencionadas perguntas não são capazes de identificar elementos fenótipos do candidato, contrariando assim as regras da lei, que prevê expressamente que a aferição de raça/cor ocorreria exclusivamente pela análise de elementos fenótipos (visual/físico).

LEI QUE REGE AS COTAS RACIAIS EM CONCURSO


O edital do concurso deve estabelecer que a avaliação da raça do candidato será regida pela Lei 12.99/2014, a qual em seu art.2º, preceitua que a autodeclaração é o único pressuposto para participação em cotas destinadas a negros e/ou pardos.


Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

trecho da lei


Ora, o candidato fez a autodeclaração como pardo/negro demonstrando essas características externas perceptivas por mera avaliação visual, contudo, a banca examinadora desconsidera esses elementos físicos, e baseia seu julgamento em um questionário subjetivo, desconsiderando os elementos fenótipos em sua análise.


Desse modo, constata-se que o fenótipo do candidato não foi o critério de avaliação da comissão de heteroidentificação), não avaliando exclusivamente aspectos fenotípicos (conjunto de características físicas do candidato), o que contrariou a lei, ensejando em nulidade da combatida aferição racial.


Por outro lado, a Portaria normativa 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, que regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, prevê a possibilidade de candidato avaliado segundo padrão de fenotipia ser eliminado do certame, desde que suas características físicas sejam contempladas neste exame (teste visual).


Art. 9º – A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público.§ 1º – Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação

Art. 11 – Serão eliminados do concurso público os candidatos cujas autodeclarações não forem confirmadas em procedimento de heteroidentificação, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência e independentemente de alegação de boa-fé.

Da simples leitura dos artigos citados da portaria nº 4 de abril de 2018, percebe-se que a reprovação que resulta em eliminação do certame é aquela baseada em fenótipos de candidato, assim, o critério subjetivo usado no certame não é capaz de causar a eliminação dos candidatos não classificados em heteroidentificação.


O que a lei exige do candidato é a condição de afrodescendente e sua autodeclaração como tal e não a vivência anterior de situações que possam caracterizar racismo/preconceito/discriminação social e etc.

PRECEDENTE JUDICIAL NACIONAL

Igualmente, a jurisprudência pátria corrobora com o entendimento de que elementos sociais e culturais não são critérios válidos para a apuração de heteroidentificação:


ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. INGRESSO NA UNIVERSIDADE. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. ENTREVISTA. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. FENÓTIPO NEGRO OU PARDO. NÃO COMPROVAÇÃO.

I – A entrevista para aferição da adequação do candidato à concorrência especial das cotas raciais se posta legal, desde que pautada em critérios objetivos de avaliação. “Não há, pois, ilegalidade na realização da entrevista.

Contudo, o que se exige do candidato é a condição de afrodescendente e não a vivência anterior de situações que possam caracterizar racismo. Portanto, entendo que a decisão administrativa carece de fundamentação, pois não está baseada em qualquer critério objetivo (…)

Considero que o fato de alguém ‘se sentir’ ou não discriminado em função de sua raça é critério de caráter muito subjetivo, que depende da experiência de toda uma vida e até de características próprias da personalidade de cada um, bem como do meio social em que vive. 

Por isso, não reconheço tal aspecto como elemento apto a comprovar a raça de qualquer pessoa.” (STF – ARE: 729611 RS, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 02/09/2013).

II – O presente caso é ainda mais gritante porquanto do ato administrativo colacionado como manifestação da banca acerca da exclusão da candidata do sistema de cotas raciais não se extrai qualquer fundamentação. 

Há apenas a reprodução das perguntas e das respostas da autora, e uma marcação da banca atestando o indeferimento do pleito. Na mesma linha, a resposta ao recurso administrativo foi, deveras, generalista.

III – Por outro lado, nada obstante se reconheça a ausência de fundamentação para a exclusão da candidata no ato de entrevista, a apelante não se desincumbiu, nesta demanda judicial, da comprovação de seu fenótipo negro ou pardo, fator que a impede, por ora, de concorrer pelo sistema de cotas raciais.

IV – Apelação Parcialmente provida. Determinação de realização de nova entrevista para aferição da ração negra ou parda a partir de critérios objetivos. Sucumbência recíproca. Suspensão da exigibilidade da cobrança para a autora, já que beneficiária da gratuidade de justiça.A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de apelação. 

TRF-1 – APELAÇÃO CIVEL : AC 122238720094013400. Julgamento 28 de Julho de 2014. Relator JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH.

PRECEDENTES JUDICIAIS DE SÃO LUIS


Nesse sentindo, destaca-se decisão favorável ao CANDIDATO cotista eliminado, em precedente da Justiça Federal de São Luís – MA, vejamos:

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado em face de ato atribuído ao REITOR DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO MARANHÃO – IFMA e SUPERINTENDENTE DA FUNDAÇÃO SOUSANDRADE DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DA UFMA – FSADU, pretendendo obter, em sede de liminar, provimento jurisdicional que reconheça a sua aprovação em primeiro lugar para o cargo de professor de matemática, polo de Barreirinhas do IFMA.

Em síntese, alegou que: a) foi aprovado, em primeiro lugar, no concurso público promovido pelo IFMA para o provimento do cargo Professor de Matemática – Polo Barreirinhas (Cotas Raciais); b) foi convocado para a aferição da veracidade da autodeclaração quanto à condição de negro; c) foi eliminado do concurso, sob o argumento de que estaria em desconformidade com o disposto na Lei 12.990/2014 e na Instrução Normativa. (…)

Não obstante, é possível inferir, a partir das informações prestadas pelos Impetrados, que os pareceres em questão se limitaram a atestar, de forma genérica, o não atendimento aos critérios de fenotipia exigidos pela legislação, sem especificar quais os critérios que deixaram de ser atendidos por cada candidato.

Não podem, nessas circunstâncias, ser tomados como pareceres individualizados. Em outras palavras, razão assiste ao Requerente quando afirma que os critérios utilizados na aferição de veracidade de sua autodeclaração não foram objetivos. Nesse contexto, haverá de prevalecer a autodeclaração firmada pelo candidato.

Não se trata, aqui, de substituir o juízo discricionário da comissão especial pelos critérios deste Juízo. Trata-se, isto sim, de reconhecer que a referida comissão não elaborou parecer individualizado, conforme estabelecido em regra editalícia. Presente, portanto, a plausibilidade do direito. Já a urgência reside na iminência de os candidatos aprovados para o cargo a que concorre o Impetrante serem nomeados.

Com tais considerações, DEFIRO o pedido de liminar para determinar aos Impetrados que reincluam o Impetrante na lista de aprovados para o cargo de professor de matemática do IFMA – Campus Barreirinhas, na condição de classificado em primeiro lugar, assegurando sua participação nas demais etapas do certame.

Concedo, outrossim, os benefícios da Justiça Gratuita (NCPC, art. 98). Ante o que dispõe o Artigo 139, inciso X, do NCPC, e considerando que é significativo o número de ações que tratam do mesmo objeto dos presentes autos, oficie-se ao MPF. São Luís/MA, 11 de maio de 2017.JOSÉ VALTERSON DE LIMA. PROCESSO: *************


Do precedente exposto, verifica-se que a análise de elementos que evidenciem preconceito/racismo não são critérios objetivos para aferição de raça, e que o único critério que deveria ser utilizado é a simples observação dos elementos físicos externos, o fenótipo.

DA CONCLUSÃO


Outrossim, divergindo da legislação e das regras do edital do certame público, a comissão de aferição do concurso não contemplou as características externas do candidato, desconsiderando seus elementos fenótipos e pautando-se exclusivamente em um questionário geral, com critérios totalmente subjetivos, para apurar o fenótipo em questão.


Logo, por todos os motivos apontados, é evidente o direito do candidato eliminado por heteroidentificação equivocada, devendo buscar a sua vaga em concurso público pela via judicial (processo), haja vista que em regra, todos os recursos apresentados a banca são indeferidos, não restando outra alternativa senão procurar amparo no Poder Judiciário.

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