Existe defesa de pad (processo administrativo disciplinar) por abandono de cargo ao servidor?
O servidor público que se afastou por mais 30 dias do trabalho tem a possibilidade de evitar a demissão?
A resposta é sim, mas, depende do motivo das faltas do servidor público, não é qualquer razão que afastaria a penalidade de demissão por abandono da função pública.
É comum processos administrativos contra servidores que ficaram ausentes do serviço por um mês ou mais, isso é decorrente do chamado abandono de cargo, mas, não basta o afastamento por um mês para ser configurado o abandono, conforme veremos.
Nesse aspecto, o motivo da ausência é crucial para afastar a punição e possível caraterização de abandono de cargo pelo servidor afastado por período superior a 30 dias de faltas do trabalho.
Logo, é possível a defesa e existe a possibilidade de evitar a demissão ao servidor, mas depende dos fundamentos relacionados com o afastamento da função pública.
1 – Abandono de cargo, o que é?
Inicialmente devemos abordar o que é abandono de cargo público, e seus desdobramentos legais.
A figura do abandono de função pública consiste na ausência do servidor do serviço por período superior de 30 dias consecutivos, por razão de sua vontade/intenção, portanto, deve haver o desejo do servidor em faltar propositalmente para o abandono acontecer.
É a expresso o regramento da lei dos servidores federais, segundo o art. 138 da Lei nº 8.112/90, deve ocorrer a ausência intencional do servidor em lapso temporal de 30 dias consecutivos.
Nesse prisma, se o servidor público falta ao serviço por mais de 30 dias seguidos com o desejo de abandonar o cargo, poderá responder por um PAD e ter a infração de abandono de cargo.
Todavia, para que haja o abandono de cargo é indispensável a presença de dois requisitos:
- 1- Ausência do servidor ao serviço por mais de 30 dias consecutivos;
- 2- Ausência intencional do servidor para abandonar o cargo.
Os dois elementos precisam existir simultaneamente para o servidor público ter decretada a falta funcional por abandono da função pública.
2- Qual a penalidade cabível e a defesa de PAD por abandono de cargo?
Caso o servidor público se ausente de forma intencional do serviço público por mais de 30 dias consecutivos, este será submetido ao processo administrativo e deverá receber a infração administrativa correspondente ao ato, se confirmado o abandono de cargo.
Nesse caso, a penalidade a ser aplicada no processo administrativo disciplinar é a demissão conforme o art. 132 da Lei nº 8.112/90.
Todavia, para ocorrer a pena de demissão de fato, deve ser observado os requisitos da lei para a configuração do abandono e o devido procedimento do PAD, como todas as etapas legais.
Assim, se o servidor teve comprovada nos autos da Sindicância ou em PAD o ânimo de abandonar ele deve responder por essa infração, mas se a ausência foi por causa de saúde ou sem a motivação de abandonar a função não configuraria a falta disciplinar de abandono.
Se houver falhas no PAD caberá a defesa do servidor provar para evitar uma a demissão ilegal.
Logo, se conclusão da comissão sindicante confirmou que ele não estava afastado por vontade/desejo de se ausentar, e/ou até trabalhando em outra instituição pública, deve ser afastada assim qualquer possibilidade de configuração de abandono de cargo, ensejando o arquivamento deste PAD.
Assim, a causa do afastamento do servidor é elemento a ser investigado e avaliado no PAD.
3 – Qual o procedimento a ser adotado em caso de abandono de cargo?
Para se apurar a infração administrativa de abandono de cargo, deve ser instaurado o processo administrativo disciplinar nos termos do art. 140 da Lei nº 8.112/90.
No caso da infração administrativa de abandono de cargo público, a comissão de PAD, na fase de indiciação deve identificar o período da suposta ausência ao serviço e o motivo dela (se intencional).
Por outro lado, o mencionado processo administrativo que avalia o possível abandono de cargo pelo servidor deve fazer a devida apuração e investigação dos mencionados relatos e se não for constada a intenção de abandono ou for constada o afastamento por motivo justificável, deve afastar a penalidade por essa comissão.
De mais a mais, na elaboração do relatório, a comissão processante, além de identificar o período de ausência do servidor, também deve fundamentar a intenção do servidor em abandonar o serviço, com provas do alegado fato sob pena de nulidade do PAD e da possível infração imposta.
Esse ponto é fundamental para a correta análise da infração, se no PAD não for investigada a razão da conduta e se o afastamento do servidor foi realmente intencional, estaremos diante grave erro por falha na avaliação do elemento caracterizador da infração (que é a intenção de abandonar).
O abandono tem que ser proposital, deve ser desejado pelo servidor!
Ainda, no processo administrativo disciplinar é possível ao servidor requerer a produção de provas, oitiva de testemunhas, e o interrogatório do próprio servidor, a ser usado pelo acusado como defesa.
4 – Defesa de PAD por abandono de cargo e a questão de saúde
A questão de saúde é uma justificativa aceitável para afastar a aplicação de pena por ausência ao servidor.
O servidor que passou 30 dias acamado ou hospitalizado não deve responder por abandono diante da impossibilidade de se locomover e/ou prestar informações sobre a sua condição fisíca de saúde.
Além dos motivos de saúde física, o servidor também pode sofrer de causas emocionais/psicológicas, e essas doenças de cunho emocional também pode impedir o pleno exercício de suas funções públicas, autorizando o afastamento do labor sem consequências disciplinares.
Por fim, se o motivo da ausência for saúde de um familiar, genitor, filho, dependente e/ou esposo do servidor, também seria impedida a configuração do abandono pelo servidor.
5 – Necessidade de requerimento de licença saúde?
Devemos ponderar questão importante, para ser afastado o elemento intencional do servidor que apresenta alguma doença como razão do afastamento é necessário o prévio requerimento? Ou basta a presença da doença no servidor para descaracterizar o abandono de cargo.
A resposta é NÃO! Não é imprescindível o requerimento de licença saúde pelo servidor previamente!
O servidor que se afasta do trabalho por mais de 30 dias em razão de doença e não fez o pedido de licença para tratamento de saúde dele próprio e de familiar não pode responder por abandono de cargo.
O entendimento para afastar o abandono é de que a doença pode ter dificultado o comparecimento no trabalho para solicitar a licença devida para regularizar a ausência do servidor.
Assim, em caso de doença acometida pelo servidor e de familiar dele, deve ser excluída a infração de abandono, podendo inclusive ser inocentado de PAD em curso (absolvição) que ele estiver respondendo pelo período de afastamento.
A doença deve ser correspondente ao período do afastamento, para embasar as faltas no serviço público, afastando assim a configuração a infração administrativa de abandono de cargo.
Todavia, a doença em momento posterior/anterior não poderia ser usada para afastar a punição de servidor que deliberadamente se afastou por 30 dias do trabalho.
6 – Saúde mental do servidor e defesa em pad por abondono de cargo
Ora, se o servidor nunca teve a intenção de abandonar o cargo público, tampouco faltou de modo espontâneo, ausentando-se do serviço público em decorrência de seu estado de saúde, deve ser afastado o desejo de abandonar a função, elemento essencial para caracterizar o abandono funcional e a pena administrativa por isso.
Logo, se não existe o elemento subjetivo (ânimo de abandonar), ocorrendo apenas o elemento objetivo (quantidade de faltas) não há infração chamada de abandono de cargo.
Só a presença do elemento objetivo (faltas) não basta para configurar o abandono.
Cabe destacar que se o servidor tem problemas de saúde, mesmo de ordem psicológica, como o caso do portador de depressão e ansiedade, deve ser afastada a intenção da conduta, pois doenças mentais também são impedimentos ao exercício da função pública e por isso não provam o abandono.
No ensejo, devido às crises de depressão, que afetavam o psicológico/emocional do servidor, sua ausência passou a ser justificada, como no caso de qualquer outra enfermidade do servidor.
Sob esse espeque, para haver o abandono devem ocorrer simultaneamente dois requisitos: o elemento objetivo (30 faltas) e o subjetivo (ânimo/desejo de faltar), na ausência do elemento subjetivo resta descaracterizando o abandono, como no caso de depressão, que não há o ânimo de abandonar em decorrência do estado emocional/mental da pessoa.
7 – Decisões Judiciais sobre a defesa de PAD por abandono de cargo
Nesse sentindo, a jurisprudência nacional corrobora:
PROCESSO ADMINISTRATIVO POR ABANDONO DE CARGO. REINTEGRAÇÃO. Esta corte possui orientação de que não bastam as faltas no serviço para caracterizar a desídia do servidor, sendo necessário que não haja qualquer justificativa para a ausência ao trabalho, caso contrário, demonstrada causa justificável para a falta ao serviço, resta descaracterizado o elemento subjetivo (ânimo) da inassiduidade habitual. (Relator Ministro Benedito Gonçalves, Sergio Kukina. Primeira Turma. Agravo em RE no AREsp 193550SP 201128225-6 – STJ. Publicação 22/02/2017)
Dessa forma, o servidor com enfermidade ou que tenha causa justificável para a falta ao serviço, pode requerer que seja declarada a nulidade de uma infração de abandono, afastando assim a punição por abandono, em virtude da ausência de motivação do combatido ato.
Visto que as ausências do servidor são justificadas pela saúde, por seu estado psicológico e emocional, debilitados naquele momento do afastamento e não observado no PAD.
Conclusão
Portanto pode ser descartada a hipótese de abandono de cargo se não for caraterizada a presença dos dois elementos legais, a intenção de abandonar e o prazo de 30 dias de afastamento do servidor.
Pode ser afastado o abandono por razão do estado de saúde do servidor e de seu familiar, evitando a pena de demissão do servidor, em conformidade ao Estatuto do Servidor Público, lei 8.112 de 1990, resultando em matéria de defesa de PAD por abandono de cargo para o servidor acusado.